Ana Jácomo

Vamos combinar que muitas vezes não há segredo algum, inimigo algum, interrogação alguma, nenhuma entidade obsessora além da nossa autosabotagem. A gente sabe que esticar a corda costuma encolher o coração, mas a gente estica. A gente sabe que nos trechos de inverno é necessário se agasalhar, mas a gente se expõe à friagem. A gente sabe que não pode mudar ninguém, que só podemos promover mudanças na nossa própria vida, mas a gente age como se esquecesse completamente dessa percepção tão sincera. A gente lembra os lugares de dor mais aguda onde já esteve e como foi difícil sair deles, mas, diante de circunstâncias de cheiro familiar, a gente teima em não aceitar o óbvio, em não se render ao fluxo, em não respeitar o próprio cansaço.

Eu pensava em todas essas armadilhas enquanto caminhava na Lagoa, um dia de céu de cara amarrada, um tiquinho de sol muito lá longe, tudo bem parecido comigo naquela manhã. Eu me perguntei por que quando mais precisamos de nós mesmos, geralmente mais nos faltamos. Que estranha escolha é essa que faz a gente alimentar os abismos quando mais precisa valorizar as próprias asas. Como conseguimos gostar tanto dos outros e tão pouco de nós. Eu me perguntei quando, depois de tanto tempo na escola, eu realmente conseguirei aprender, na prática, que o amor começa em casa. Por que, tantas vezes, quando estou mais perto de mim, mais eu me afasto. Eu me perguntei se viver precisa, de fato, ser tão trabalhoso assim ou se é a gente que complica, e muito. Como conseguimos ser tão vulneráveis, ao mesmo tempo que tão fortes. Somos humanos, é claro, mas ser humano é ser divino também.

Eu não tenho muitas respostas e as que tenho são impermanentes, como os invernos, os dias de céu de cara amarrada, os lugares de dor, os abismos todos, o bom uso das asas, os fios desencapados, as medidas e as desmedidas. Tudo passa, o que queremos e o que não queremos que passe, a tristeza e o alívio coabitam no espaço desta certeza. Eu não tenho muitas respostas. O que eu tenho é fé. A lembrança de que as perguntas mudam. Um modo de acreditar que os tiquinhos de sol possam sorrir o suficiente para desarmar a sisudez nublada de alguns céus. E uma vontade bonita, toda minha, de crescer.

Ana Jácomo

“Depois que virei gente grande, descobri, com lucidez embaraçosa, que alguns amores se afastam do nosso alcance igualzinho ao que acontecia com aqueles balões que vi se distanciarem cada vez mais, cada vez mais, cada vez mais. No início, a gente caminha todo prosa, um pé de vida florido, pontinha do sonho amarrada ao pedaço de linha que se chama esperança. Planos de jardim com girassóis, filho contente, cachorro, horta, rede na varanda, e aquela mão segurando a nossa, estrada afora. De repente, começa a ventar o vento que tira os sonhos do lugar, que faz o fio da linha se desprender do dedo, que recolhe a ponte e deixa o abismo. Um vento soprado pela desatenção, o descuido letal para os balões e os amores.
Há um momento sem sol em que a gente percebe que o amor anoiteceu. O coração enxovalhado, ferido, está exaurido pela aflição de tanto esticar-se para tentar alcançar o fio da linha que se soltou e amarrá-lo de novo na pontinha dos sonhos. No fundo, ele sabe que não o alcançará: voa longe demais da possibilidade de alcance. Se ainda insiste, buscando impulso para pulos cansados, é porque aquele amor, exatamente aquele, ainda é tudo o que ele mais deseja. Porque não sabe onde colocará as mãos, o encanto, o olhar, depois daquele instante. Porque não lhe importa que outro amor venha ao seu encontro. É aquele, aquele lá, que ainda o descompassa.”

Ana Jácomo

” E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras “.

Ana Jácomo

Uma das mais saborosas sensações de liberdade que eu conheço é flagrar meu coração feliz sem precisar de nenhum motivo aparente. De vez em quando, a mente, que tantas vezes mente, me permite lembrar que essa felicidade essencial está o tempo todo disponível, preservada, por trás das nuvens que a negatividade infla. Rio e me sinto mar.

Ana Jácomo

esejo que o seu melhor sorriso, esse aí tão lindo, aconteça incontáveis vezes pelo caminho. Que cada um deles crie mais espaço em você. Que cada um deles cure um pouco mais o que ainda lhe dói. Que cada um deles cante uma luz que, mesmo que ninguém perceba, amacie um bocadinho as durezas do mundo.

Ana Jácomo

“Não é que seja exatamente corajoso, meu coração tem é isso de bom: não ocupa espaço com mágoas e, com o tempo, ele se tornou desmemoriado pra assuntos de frustração. Quando me dou conta, lá está ele amando de novo, sorriso de orelha a orelha, com tal frescor que parece que nunca foi ferido. Dá, sim, pra ver uma cicatriz aqui e ali, outras mais adiante, que cicatriz não morre, mas ele não liga. Nem eu. Não é que seja exatamente teimoso, meu coração tem é isso de bom: gosta de amar.
Eu também.”